2018 RUÍDOS E SILÊNCIOS: UMA ANÁLISE GENEALÓGICA SOBRE A SURDEZ NA POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA

O estudo teve por objetivo analisar as relações de poder e saber no campo da surdez, tendo como ponto de partida o Plano Nacional de Direitos à Pessoa com Deficiência - Viver sem Limite e seu principal desdobramento na saúde, a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. Assumindo que uma política pública é fruto de tensões, relações de forças e múltiplos interesses, permanentemente imersos em práticas discursivas e não discursivas que permeiam o campo social e os atores envolvidos, propusemo-nos a realizar uma análise genealógica tendo Foucault como nosso principal intercessor. Este caminho nos permitiu uma leitura da surdez como produção social e do sujeito surdo como produto das relações entre poderes e saberes. Para o trabalho analítico, foram selecionados documentos normativos (leis, decretos, portarias), documentos informativos e/ou avaliativos, assim como documentos provenientes de entrevistas com atores sociais que, por meio da história oral, compartilharam informações sobre o processo de construção das políticas. Foram entrevistados gestores, lideranças de movimento social, representantes de entidades e pesquisadores considerados atores-chave nos campos da deficiência, da surdez e das políticas públicas. A análise genealógica do Plano Viver sem Limite mostrou que acontecimentos no cenário internacional e nacional, incluindo a luta do movimento social de pessoas com deficiência e o surgimento de um novo discurso que emergiu dos Disability Studies, resultaram em um vasto arcabouço legislativo no Brasil, culminando na criação do Plano Viver sem Limite. Este plano, por sua vez, foi condição de emergência da atual política de saúde para a pessoa com deficiência – a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência – cuja estrutura foi moldada em um momento em que as Redes de Atenção à Saúde estavam sendo adotadas como estratégia de reorganização do sistema. A genealogia desta política com foco na surdez mostrou que sua construção é efeito das relações de poder e saber neste campo, no qual o discurso médico-patológico, que compreende a surdez como uma deficiência a ser corrigida, é tomado como o discurso verdadeiro. Por outro lado, o discurso socioantropológico, que reconhece pessoas surdas pela ótica da diferença e o uso da língua de sinais como sua principal característica, vem sendo acionado para elaboração de políticas públicas; porém, apesar de ameaçar a hegemonia do discurso médico, não tem encontrado eco no setor saúde. Foram colocados em evidência os contrassensos entre as conquistas associadas ao acesso às tecnologias e entre as proposições do setor saúde que, enquanto política, direcionam suas ações exclusivamente para o alcance de uma norma ouvinte, desconsiderando a multiplicidade dos sujeitos surdos. O estudo aposta que a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência não se restrinja apenas a pontos de atenção, como é o caso dos serviços de reabilitação, mas que neles haja possibilidade e agenda para a produção de cuidados tão diversos quantos possam ser os modos de existência. Palavras-chave: Surdez; Deficiência; Política de Saúde

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